Estudos com camundongos diabéticos realizados por cientistas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP sugerem que a atividade do agente antitumoral cisplatina pode ser reduzida em pacientes diabéticos. De acordo com o estudo, camundongos diabéticos portadores de tumor tratados com cisplatina apresentaram menor redução do tumor e menor sobrevida que animais não diabéticos portadores do mesmo tumor e tratados com a mesma dose do fármaco.
A bióloga Márcia Cristina da Silva Faria, que desenvolveu o estudo sob a orientação do professor Antônio Cardoso dos Santos, da FCFRP, expõe que a concentração da cisplatina no tecido tumoral dos animais diabéticos foi reduzida em mais de 50% em relação aos animais não diabéticos. “Este dado é inédito e sugere que o diabetes interfere na atividade antitumoral do fármaco, ou seja, inibe a função de combate ao tumor da cisplatina”, reforça Márcia.
Cisplatina e a glicose
A cisplatina é muito utilizada no tratamento de vários tipos de tumores sólidos e hematológicos (relacionados ao sangue), incluindo câncer de fígado, pâncreas, rins, bexiga e testículo, dentre outros. Em contrapartida, seu uso é altamente limitado devido à sua toxicidade renal. “Cerca 20% dos pacientes tratados com cisplatina desenvolvem disfunção renal severa, mesmo com as medidas de proteção”, diz.
Segundo a bióloga, estudos anteriores já indicavam que o diabetes diminuía o dano renal induzido pela cisplatina, o que, de fato, foi comprovado neste modelo com camundongos. Em função disso, foi iniciado um estudo mais profundo sobre a relação do diabetes com a cisplatina, que culminou nos resultados inéditos. “Demonstramos que ao mesmo tempo em que o diabetes protege os rins contra a toxicidade da cisplatina, ele também interfere na ação de combate ao tumor do fármaco”.
Soma-se a este aspecto negativo do diabetes (doença causada por excesso de glicose no sangue) o fato de que os tumores dependem da glicose para crescer. “Há estudos que mostram que a taxa de desenvolvimento de tumor em pacientes diabéticos é maior do que em pacientes não diabéticos”, alerta Márcia.
Diminuição da sobrevida e atividade antitumoral
Os camundongos diabéticos do estudo apresentaram uma sobrevida muito inferior em relação aos camundongos não diabéticos. A concentração da cisplatina no tumor e a diminuição da massa tumoral também foram menores. “Os resultados comprovam a interferência do diabetes na eficácia da atividade antitumoral da cisplatina e a consequente diminuição da expectativa de vida deste grupo em particular”, afirma.
A pesquisa Avaliação da interferência do diabetes na biodistribuição e na atividade antitumoral da cisplatina em camundongos, que durou dois anos, demonstra que o diabetes é capaz de alterar a distribuição do fármaco no tumor, nos rins e em vários órgãos. “Há estudos que indicam que o diabetes altera os mecanismos de transporte ativo da cisplatina nas células renais o que explica a proteção contra a toxicidade renal nos pacientes diabéticos. Nossos dados indicam que alterações importantes ocorrem também nos demais tecidos, inclusive no próprio tumor”, adianta a bióloga.
Os resultados demonstram a necessidade de maior atenção no uso da cisplatina em pacientes diabéticos. “É preciso reavaliar o uso clínico da cisplatina neste grupo em particular, visto que ele apresenta dois graves problemas de saúde pública: o câncer e o diabetes e o uso de um importante aliado no tratamento pode estar comprometido. Porém estes dados foram obtidos em estudos com camundongos e testes clínicos são necessários para sua extrapolação para humanos”, conclui.
A próxima etapa da pesquisa terá como foco alguns receptores que possivelmente possam estar relacionados à deficiência do transporte que favorece a entrada da cisplatina nas células.
Fonte: UOL